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Sofri lavagem cerebral no culto.

Eu nunca imaginei que pudesse ser manipulado. Cresci com senso crítico, estudava bastante, tinha amigos diversos. Mas conheci uma igreja em um momento da vida que estava emocionalmente fragilizado — e foi lá que perdi minha autonomia mental, pouco a pouco, sem perceber.

Não tenho intenção de atacar a fé de ninguém, mas quero mostrar como grupos religiosos podem usar técnicas psicológicas para controlar pessoas. E tudo pode começar com um “Deus te ama”. E termina com você odiando quem você era e odiando pessoas que nem conhece.

Como tudo começou
Entrei naquela igreja em um momento de dor. Estava passando por uma perda familiar e descobri uma doença grave. Realmente foi uma fase bem trágica. Eu estava me sentindo sozinho e sem rumo. Fui acolhido com abraços, oravam por mim, me chamavam de “irmão”. Aquilo me fez sentir parte de algo maior. Parecia tudo tão bonito. Eles tinham o mesmo jeito de falar, até o jeito de vestir era parecido e viviam juntos.

Eu ia todo domingo e logo vieram os encontros diários, os estudos bíblicos, encontros na casa dos irmão, acampamentos, vigilias no monte, as campanhas, sete semanas para alcançar a benção. Passei a me vestir igual e já usava os mesmo jargões. Me senti empolgado e estar no lugar certo com pessoas do bem. Fui promovido no trabalho e acreditava que Deus estava me abençoando. Eu passei a me afastar dos meus amigos “do mundo” e da minha família, que não era convertida. Diziam que eles eram “instrumentos do inimigo” e que poderiam me levar para o mal caminho. Eu me deixei levar, estava empolgado com tudo aquilo. Eu já queria ser líder e estava empenhado em me desenvolver e ter um cargo.

A desconstrução de quem eu era
Chegou um tempo que eu já não estava muito bem ali, me sentia culpado por tudo. Pelo que pensava, pelo que sentia, pelo que eu fui antes de chegar ali.

Confessava pecados e me sentia sujo, acreditava que não merecia o amor de Deus e tinha que me esforçar muito para ser aceito, chorava em público, fui confrontado diversas vezes com “revelações” dos líderes, que diziam conhecer meus pensamentos e falavam coisas que Deus falava para eles, como se fossem a voz de Deus no mundo. Já não me sentia seguro e me agarrava cada vez mais a tudo aquilo na tentativa de me salvar.

Tudo que eu era antes foi rotulado como engano. Meu gosto por música, minhas roupas, meus sonhos, minhas perguntas. Tudo precisava morrer para que o “novo eu” em Cristo nascesse. Mas aquele novo eu não era meu e nem era Cristo. Era um manipulado, era o que eles queriam que eu fosse. Não era uma mudança de consciência, era uma mudança de hábitos somente e isso não me aproximava de Deus, eu me aproximava de uma loucura coletiva.

A doutrina e o medo
Nos cultos, aprendemos que o mundo era maligno, que questionar a liderança era rebelião e que sair da igreja era “morte espiritual”, eles eram nossa cobertura espiritual contra o inferno na terra. Vi pessoas serem humilhadas em nome da disciplina. Eu mesmo fui exposto diante de todos por não seguir uma orientação “espiritual”. Sentia medo de errar, medo de me expressar. Esse medo me mantinha obediente.

Se não estivéssemos ali não seríamos abençoados, usavam passagens bíblicas sem contexto para nos convencer de coisas que deveríamos fazer. Me pediram para largar meu emprego e me empenhar somente a obra, esse foi um momento difícil, quase saí do emprego, mas tinha um bom convênio, eu não estava bem e por isso pararam de tentar me persuadir quando falei da doença e do tratamento no convênio. Mas disseram que eu deveria ter mais fé que se eu buscasse mais a Deus seria curado.

Recompensa e punição disfarçadas
Quem era obediente e não se opunha ganhava destaque, era elogiado como “instrumento de Deus”. Os rebeldes eram ignorados, silenciados, acusados de estarem dando brecha para o inimigo e quando saíam era “Deus purificando a igreja”. Eu fazia de tudo para agradar, para ser aceito, mesmo quando algo dentro de mim gritava que aquilo estava errado.

Eu já era diácono mas precisava me casar, encontrar uma “varoa de Deus”. Me cobraram mais empenho ali, diziam que em breve eu precisaria sair do meu trabalho e que Deus iria me usar para pregar às nações. Me disseram que quando eu me casasse e abandonasse meu emprego seria ungido pastor e seria usado para abrir uma nova congregação. Mas eu não queria aquilo e chegaram a fazer uma reunião com lideres para me explicar meu chamado e que eu teria um tempo para orar e obedecer a “voz de Deus”, mas na hora certo Deus iria pesar a mão e se desobedesse perderia a benção.

Como comecei a acordar
Foi quando minha doença piorou e precisei ser internado. O pessoal da igreja não demonstrou grande interesse, um líder me mandou mensagem falando que estariam orando por mim e me enviavam mensagens bíblicas às vezes. Nessa fase, eu estava fisicamente afastado deles. Meus familiares, preocupados, procuraram uma pessoa que havia saído do mesmo grupo anos antes. Eles pediram que ela fosse me visitar.

No começo, eu estava desconfiado, pois eu tinha comigo que ele se afastou da igreja e era um desviado. Mas ele começou a me contar o que aconteceu de verdade. Eu tentei convencê-lo que estava errado e deveria se arrepender, repetia as falas que ouvi por muito tempo. E ele apenas me ouvia. Eu entendi claramente o que aconteceu com ele e então começou a me visitar mais vezes.

Vi um amor genuíno dele por mim, ele me falava do amor de Jesus de uma forma que não ouvia. Ele foi luz na minha vida, iluminou uma parte obscura na minha alma que eu ignorava. Me trouxe livros, conversávamos sobre espiritualidade de forma mais ampla, sem dogmas. E, aos poucos, suas palavras foram fazendo sentido.

Comecei a perceber incoerências, contradições, abusos disfarçados de cuidado espiritual. Comecei a ler a bíblia e livros por conta própria, buscar outras interpretações, e entender quem eu era de verdade para Deus. E foi doloroso perceber que eu não era mais eu e que não entendia o amor de Deus por mim. Que eu havia sido moldado por medo, culpa e que não conhecia Deus de verdade.

A saída não foi fácil
Assim que me recuperei decidi sair dessa igreja e deixar o grupo foi como fugir de casa. Senti medo, culpa, pesadelos. Perdi amigos, fui tratado como um inimigo traidor. Mas, aos poucos, fui reconstruindo minha identidade. Voltei a me aproximar da minha família, busquei terapia, e entendi que eu havia passado por um processo de lavagem cerebral.

Hoje, o que eu aprendi
 Vi claramente que estava sofrendo lavagem cerebral. Não é preciso ser fraco para ser manipulado. Basta estar vulnerável. A lavagem cerebral usa a paixão, o medo, a culpa e a promessa de pertencimento para dominar. E acontece mais perto do que a gente pensa. Hoje estou participando de uma outra igreja, as reuniões acontecem na casa de uma casal, eles são muito sábios e tementes a Deus, não existem cargos, não temos obrigações, compartilhamos coisas e momentos em paz, me sinto livre.

Dicas para quem desconfia estar vivendo algo parecido

  • Questione narrativas absolutas: você não é do diabo só porque pensa diferente.
  • Converse com pessoas de fora do grupo. Deus usa pessoas improváveis para te falar e mostrar seu amor .
  • Permita-se duvidar: dúvida não é falta de fé, é sinal de autonomia. Busque o melhor entendimento para não se perder em mentiras de falsos profetas.
  • Busque ajuda profissional, como psicólogos. Quem busca conselho, busca sabedoria. 

A religião não deveria aprisionar. Não deveria apagar quem você é. Se você precisa negar sua humanidade, se está se sentindo escravizado e angustiado para seguir um grupo, é evidente que Deus não é foco dessas pessoas.

Esse é o meu relato. Que ele sirva de alerta para os que acham que estão sendo salvos, mas estão sendo silenciados. “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto.” – Isaías 55:6